
Em meio a todo este desespero eu não consigo parar de olhar para a Cordilheira dos Andes e toda sua imensidão. Não me preocupo com não haver nenhum ponto possível para eventual pouso de emergência. Afinal, quis tanto estar aqui que preciso aproveitar todo instante, nem que seja o último. Na verdade é só analisar que, quando se vai de Santiago a Mendoza, o avião sai rapidamente das correntes frias das montanhas para o ar quente do deserto e isto explica tão forte turbulência

Mendoza é um lindo e verde oásis em meio à secura do deserto do noroeste argentino. Toda cidade é irrigada pelas águas de degelo das montanhas, que chegam até Mendoza por canaletas chamadas de acéquias. Graças à esta engenharia herdada dos incas, as árvores mendocinas sobrevivem e as famosas parreiras e oliveiras desta região podem existir.
Quando nos afastamos da cidade notamos a vastidão do deserto. A estrada que me levaria para a pré-cordilheira entra por esta aridez que só é amenizada pelo fresco Vale de Villavicencio, uma reserva que é fonte de água mineral. Quem desce para se refrescar já nota que a atmosfera muda. O calor do deserto dá lugar a uma brisa fria de montanha.
Depois de passarmos pelo Hotel Termas de Villavicencio,

Após 365 sustos, aos 3.100 metros de altitude, chegamos ao "Mirador Aconcágua", de onde se tem impressionante vista do "Teto das Américas", que na língua inca, o quechua, significa Sentinela de Pedra. É para lá que vamos. Pré-cordilheira abaixo e cruzando mais uma árida zona de deserto chegamos ao Vale de Uspallata, com seus álamos imponentes que resistem aos fortes ventos do altiplano.

Seguimos margeando o Rio Mendoza e os picos nevados começam a tomar conta do cenário. Passamos pela estação de esqui Los Penitentes que é muito frequentada na temporada de inverno. No meu caso era verão, só havia pedras e um hotel que fica aberto o ano todo. Ele oferece uma ótima refeição que fica ainda melhor quando acompanhada por um vinho Malbec mendocino. O problema é que, na altitude, os efeitos do álcool se potencializam. Saí do restaurante completamente bêbado e desmaiando de sono, ainda bem que tinha uma desculpa científica para isto.

Nesta região, de solo alaranjado devido aos minerais, há uma capela. Ela é a única construção que sobrou de um hotel destruído por uma avalanche, o que reforça a religiosidade dos habitantes deste vilarejo .

Após merecida parada, e um pouco mais desperto, continuamos subindo rumo ao Aconcágua. Quanto mais alto, mais rarefeito fica o oxigênio e isto causa dor-de-cabeça e enjôos. Em mim dá muito sono. Esse mal-estar causado pela altitude também é conhecido como "Mal de Soroche". Na Bolívia, existe uma pílula chamada "Soroche Pills" que promete eliminar os males, mas em mim não fez efeito algum. Acho que é um placebo. Bom mesmo é mascar folha de coca, mas na Argentina, infelizmente, deve ser proibido.
Finalmente chegamos ao mirante do Aconcágua. O ponto culminante da América tem 6.962 metros de altitude e atrai centenas de andinistas para Mendoza todo ano. Foi lá que faleceu Mozart Catão que, junto com Waldemar Niclewicz, foi o primeiro brasileiro a escalar o Everest. O mirante fica à margem da rodovia e parece ser fácil alcançá-lo. Ledo engano, uma pequena caminhada nos põe os bofes para fora.

Um verde vale é o caminho para o Aconcágua e parece muito convidativo seguir caminhando até sua base. Tive muita sorte de estar num dia de céu aberto e azul celeste, como na bandeira argentina. Sentei e fiquei admirando aquele gigante nevado, lembrando que, quando adolescente, sonhava em escalá-lo.