domingo, 23 de setembro de 2007

Mendoza - Caminho para o Aconcágua

Todas as pessoas no avião estão de mãos dadas, olhos fechados e rezando. A aeronave sobe e desce com tanta força que, se não fossem os cintos de segurança, bateríamos as cabeças no teto. Neste momento todos passageiros devem estar lembrando que foram nestes picos gelados abaixo de nós que um avião cheio de uruguaios jogadores de rúgbi caiu, ficou e o canibalismo rolou solto.

Em meio a todo este desespero eu não consigo parar de olhar para a Cordilheira dos Andes e toda sua imensidão. Não me preocupo com não haver nenhum ponto possível para eventual pouso de emergência. Afinal, quis tanto estar aqui que preciso aproveitar todo instante, nem que seja o último. Na verdade é só analisar que, quando se vai de Santiago a Mendoza, o avião sai rapidamente das correntes frias das montanhas para o ar quente do deserto e isto explica tão forte turbulência. Basta lembrar as aulas de física: O ar quente sobe e o ar frio desce.

Mendoza é um lindo e verde oásis em meio à secura do deserto do noroeste argentino. Toda cidade é irrigada pelas águas de degelo das montanhas, que chegam até Mendoza por canaletas chamadas de acéquias. Graças à esta engenharia herdada dos incas, as árvores mendocinas sobrevivem e as famosas parreiras e oliveiras desta região podem existir.

Quando nos afastamos da cidade notamos a vastidão do deserto. A estrada que me levaria para a pré-cordilheira entra por esta aridez que só é amenizada pelo fresco Vale de Villavicencio, uma reserva que é fonte de água mineral. Quem desce para se refrescar já nota que a atmosfera muda. O calor do deserto dá lugar a uma brisa fria de montanha.

Depois de passarmos pelo Hotel Termas de Villavicencio, têm início os "Caracoles de Villavicencio", também conhecida como "La Ruta de un Año" devido às suas 365 curvas, sendo a maioria delas cotovelos que levam a um grande abismo. No caminho tive o privilégio de ver dezenas de guanacos, o camelídeo típico da região. Cada felizardo macho de guanaco chega a ter 30 fêmeas que o acompanham pelos penhascos secos.

Após 365 sustos, aos 3.100 metros de altitude, chegamos ao "Mirador Aconcágua", de onde se tem impressionante vista do "Teto das Américas", que na língua inca, o quechua, significa Sentinela de Pedra. É para lá que vamos. Pré-cordilheira abaixo e cruzando mais uma árida zona de deserto chegamos ao Vale de Uspallata, com seus álamos imponentes que resistem aos fortes ventos do altiplano. Passando pela cidade, entramos no Corredor Binacional, movimentada estrada que liga a Argentina ao Chile cruzando a cordilheira andina. Esta rodovia muitas vezes fecha no inverno devido às nevascas e os caminhoneiros ficam por semanas esperando que o caminho seja reaberto.

Seguimos margeando o Rio Mendoza e os picos nevados começam a tomar conta do cenário. Passamos pela estação de esqui Los Penitentes que é muito frequentada na temporada de inverno. No meu caso era verão, só havia pedras e um hotel que fica aberto o ano todo. Ele oferece uma ótima refeição que fica ainda melhor quando acompanhada por um vinho Malbec mendocino. O problema é que, na altitude, os efeitos do álcool se potencializam. Saí do restaurante completamente bêbado e desmaiando de sono, ainda bem que tinha uma desculpa científica para isto.

A estrada segue morro acima, o ar vai ficando mais rarefeito e o sono bate forte. Por sorte paramos em "Puente Inca" e pude tomar uma Coca-Cola. Lá existe uma interessante ponte natural de pedra sobre o rio. Estas águas são tão impregnadas de minerais que se um objeto fica imerso durante algumas semanas vira pedra. Parece lenda, mas várias barracas vendem estes mimos petrificados, que podem ser desde garrafas até calçados velhos.

Nesta região, de solo alaranjado devido aos minerais, há uma capela. Ela é a única construção que sobrou de um hotel destruído por uma avalanche, o que reforça a religiosidade dos habitantes deste vilarejo .

Após merecida parada, e um pouco mais desperto, continuamos subindo rumo ao Aconcágua. Quanto mais alto, mais rarefeito fica o oxigênio e isto causa dor-de-cabeça e enjôos. Em mim dá muito sono. Esse mal-estar causado pela altitude também é conhecido como "Mal de Soroche". Na Bolívia, existe uma pílula chamada "Soroche Pills" que promete eliminar os males, mas em mim não fez efeito algum. Acho que é um placebo. Bom mesmo é mascar folha de coca, mas na Argentina, infelizmente, deve ser proibido.

Finalmente chegamos ao mirante do Aconcágua. O ponto culminante da América tem 6.962 metros de altitude e atrai centenas de andinistas para Mendoza todo ano. Foi lá que faleceu Mozart Catão que, junto com Waldemar Niclewicz, foi o primeiro brasileiro a escalar o Everest. O mirante fica à margem da rodovia e parece ser fácil alcançá-lo. Ledo engano, uma pequena caminhada nos põe os bofes para fora.
Um verde vale é o caminho para o Aconcágua e parece muito convidativo seguir caminhando até sua base. Tive muita sorte de estar num dia de céu aberto e azul celeste, como na bandeira argentina. Sentei e fiquei admirando aquele gigante nevado, lembrando que, quando adolescente, sonhava em escalá-lo.


2 comentários:

Roberta Martins disse...

Oi, o seu também é legal. É muito bom ler e escrever sobre viagens e ouvir o retorno das pessoas que nos encontram por aí. Mendonza esta nos planos para ano que vem, vou ler com calma. Tu que gostas do uruguay,acabo de escrever sobre o meu lugar favorito neste pais. Abraço

Fernando Martins disse...

PARABENS !!!!!
Farei essa viagem de mendonza agora em novembro e levarei o seu post comigo.
Abraço!